segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

24 de dezembro de 2012. Escrevo em tempo real. São 21h30, véspera de Natal e ainda estou na redação cobrindo tabela, notadamente. Saio às 0h. Meio deprimente virar o Natal trabalhando, mas faz parte da profissão e não me arrependo de nada. Algumas horas antes de sentar para escrever, o subchefe me avisa que houve uma perseguição policial a bandidos que resultou em um cerco, com direito a helicóptero rondando a área, troca de tiros, um marginal ferido e outras três pessoas mortas, porém nada confirmado. Sigo até o endereço imaginando que ou pegaria a matéria do dia, ou seria um alarme falso. Pois bem. Chego ao local e nada. Pergunto para um morador "soube de alguma coisa?" e ele responde "eu vi o helicóptero, mas há duas horas mais ou menos". Quase certo de que o segundo 'ou' virava realidade, vejo o carro de outra emissora passar pela rua onde estávamos. Pisca farol, buzina. Emparelhamos o carro junto ao deles e trocamos informações. Nada mais que suposições passadas por ambas as redações. Entramos em acordo que seria melhor seguirmos para a delegacia responsável pela área a fim de apurar a ocorrência. Chegando lá, uma equipe de uma terceira emissora estava à porta da DP. Sim, o caso era real, mas sem a magnitude com o qual nos foi passado: uma perseguição após um assalto a um mercado. Logo ao descer do carro sou chamado pelo produtor da terceira equipe para fazer imagens de um dos presos. Delegacia é pior que cemitério. Ao entrar escuto dois policiais militares conversando "e junto com ele a gente apreendeu a faca". Passando pelo balcão vejos cidadãos cabisbaixos, sentados às mesas, prestando depoimento. Mais uma porta à direita e uma logo à esquerda, chego à área da cela. Vi apenas uma porta de ferro maciço, pintada de amarelo. O agente a abre e chama "vem cá que agora você vai ficar famoso". Sai um moleque franzino, moreno, trajando apenas uma bermuda larga. À têmpora estava colado um esparadrapo tão branco que chamava a atenção por destoar do corpo encardido do sujeito. "Ah, não, o que eles estão fazendo aqui?", choramingou. O agente ordenou que ele saísse e não houve alternativa. O marginal abaixou a cabeça e entrou em uma sala logo ao lado para a apresentação. Eu, sinceramente, ainda não sei como me comportar nesse tipo de situação. Costumo apenas ficar calado e filmar. Alguns badidos não têm medo da câmera e ficam com o peito estufado e a cabeça levantada, enquanto outros tentam esconder o rosto com a mão e ficam tímidos. O segundo caso foi o que aconteceu. O cinegrafista da segunda equipe (gente boníssima, diga-se de passagem), muito mais experiênte que eu, pediu para que o meliante levantasse o rosto, sem êxito. Então partiu para uma outra estratégia, conversando com ele. Perguntou o nome, o que era aquilo na testa... O nome dele era X, 19 anos, primeira passagem e, segundo ele, aquele curativo era consequência de uma agressão cometida pelos policiais. Ao saber a idade do rapaz, o cinegrafista lamentou "você tem idade para ser meu filho. Você fez essa besteira mas quem sofre são seus pais, sua família", e então X falou "meu filho" e começou a chorar. Não copiosamente, mas soluçou e, de fato, seus olhos encheram de lágrimas.

Acredito que ele realmente deve pagar pelo o que fez, mas seu filho, com certeza, não merece passar o Natal sem o pai.

sábado, 15 de dezembro de 2012

13 de dezembro de 2012. Lá pelas tantas fui fazer imagens de um novo QG da Defesa Civil onde todo o estado é monitorado em relação à meteorologia. Uma sala grande, com uns vinte computadores, um telão enorme que cobria praticamente toda a parede, mapas, TVs ligadas nos principais canais de notícia.. Vazia. Todas as cadeiras esperando serem preenchidas por pessoas capazes e dispostas a salvar vidas. Perguntei ao representante se haveria como simular o funcionamento daquele centro, com pessoas, computadores ligados, falatório. Prontamente, ele trouxe uns 15 soldados ou agentes do grupamento ali estabelecido. Todos sentados à frente dos computadores, comecei a filmar. Enquadramento aqui, foco ali e, quando olho pela janela, o céu parecia carregar os caveleiros do apocalipse. Nuvens negras cobriam todo o céu, trazendo trovões, raios e muito vento. Uma chuva rala, confesso, mas a tempestade iminente era ameaçadora. Aquilo seria muito ruim pra cidade, mas ótimo pra mim! Olhei para o lado, esperando manisfestações de expectativa e apreensão dos profissionais ali presentes. Nada. Continuei a filmar, três minutos a mais. "Pessoal, terminei. Obrigado! [agora o bicho vai pegar!!]". Nada. Todos desligaram seus respectivos computadores, levantaram-se e deixaram a sala.

sábado, 3 de novembro de 2012

2 de novembro de 2012, dia de finados. Desde que me entendo por gente lembro que chove neste dia e ontem não foi diferente. Fui cobrir um aulão de revisão pra prova do ENEM, que acontece neste fim de semana. Quase 500 jovens acordaram cedo, com aquele tempinho chato, pra tirar as últimas dúvidas sobre a prova mais importantes de suas vidas. Os professores, nenhum aparentando ter mais de 40 anos, tentavam fazer da aula um momento de descontração. Eram brincadeiras, dinâmicas e palestras motivacionais. A penúltima destas palestras foi ministrada por um senhor de muita idade - não era professor - que caminhava de bengala, porém tinha um olhar muito perspicaz. Esse senhor fora concentrado no campo de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial. Eu, preocupado em filmar, não pude prestar atenção em todo o seu discurso, mas ele ficou preso naquele lugar por quatro anos quando criança. A ideia da palestra era contar uma história de superação àqueles jovens e mostrar que desistência não é a melhor opção. Quando achei que já tinha um número razoável de takes, sentei pra assistir. Não lembro de tudo dito por ele, até porque me concentrei apenas nos minutos finais, mas vou tentar reproduzir a aula de vida dada por aquele senhor.

A primeira lição que lembro dada por ele é que não importa a camisa que vestimos, ou a calça, gravata, sapato. Ele passou quatro anos com a mesma roupa, sem tomar banho, e chagas cobriam seu corpo por conta da coceira que sentia. Fome era algo constante. As pessoas morriam a sua volta todos os dias e uma das coisas que ele mais se arrepende é de não ter dito ao pai quanto o amava, pois presenciou a morte deste ente querido e nunca poderá dizer o amor que sentia por ele. Pediu pra falarmos aos nossos pais o quanto os amamos, sem medo, mesmo que eles já saibam disso. Durante a Guerra as pessoas eram divididas por raças: judeus, negros, germânicos... mas que na verdade a única raça que existe é a humana. Os animais, estes sim, são divididos em raças de equinos, caninos, suínos... e os que são racistas pertencem a estas raças, em especial a dos suínos.

Não consigo lembrar o que veio antes destes dizeres, mas com certeza foi extraordinário pois, quando a palestra chegou ao final, todos aplaudiram de pé. Todos. 


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Faz quase quatro anos que publiquei meu último texto neste blog - que não necessariamente é o que segue logo abaixo, já que apaguei quase todos deixando apenas os que mais significam pra mim, por uma razão ou outra - e, depois desse longo período, resolvo voltar a escrever. Muita coisa aconteceu nesse tempo. Pessoas entraram na minha vida, pessoas saíram da minha vida. Deixei lugares e conheci muitos outros novos. Enfim, não sou mais aquele que retratava neste blog, com o ardor do coração, coisas do meu então cotidiano. Deixei a poesia de lado. Deixei um pouco da música de lado. Deixei boa parte do meu cabelo de lado. Mas, em contraponto, ganhei algumas coisas. Tirando ''alguns muitos'' quilos a mais e certas vicissitudes, ganhei experiência de vida. Vi coisas. E ainda vejo coisas da vida. Pra quem não sabe, me tornei repórter cinematográfico de uma grande emissora de TV. Digo ''grande emissora de TV'' pois não pretendo dar nomes a pessoas ou citações. Os que me conhecem sabem onde trabalho e com que pessoas convivo, e isso basta. São três anos de carreira - entre estágio na faculdade e a atualidade - em um emprego que considero privilegiado. Privilegiado sim, apesar dos pesares. Mas não vou entrar em detalhes. E o que almejo aqui é contar um pouco da minha rotina, que não existe, já que muitas pessoas me sugeriram que o fizesse. Talvez seja interessante, talvez um pé no saco.. Talvez. 

Não tenho condições de contar coisas que aconteceram nesses últimos anos, infelizmente. Então começo por ontem, dia 29 de outubro de 2012. No fim de semana anterior um jovem fora assassinado em Cordovil por PMs que confundiram o som do estouro do pneu do carro dele com o de um tiro. Absurdos à parte, fui cobrir o enterro do rapaz. Fazia tempo que não ia a um enterro tão cheio. Digo isso pois, desde que comecei a trabalhar, ir a enterros tornou-se comum. O rapaz devia ser bastante querido. Muita gente chorando, revoltada. Lá pelas tantas, começa uma gritaria e logo ligo a câmera. Era a mãe do falecido, inconsolável, sendo carregada pra fora da capela. Trastornada, ela pedira, sem êxito, pra que não fechassem o caixão. Começa o cortejo. Um sol terrivelmente forte em Irajá, mas nada parecia se sobrepor à dor da perda. No momento de selar o túmulo, aplausos e clamores por justiça. Quando os gritos  diminuíram escuto a mãe implorar ''não fecha, não fecha! Ele é alérgico e vai ficar espirrando com o calor!'' Aquelas palavras socaram minha cabeça de tal maneira que chorei. Chorei mesmo não podendo me envolver com a notícia, mesmo tendo que continuar meu trabalho. Não sei se os policiais vão ficar presos por muito mais tempo. Não sei se a corporação passará por reciclagem, se receberá melhor treinamento. Mas sei que a perda daquela mãe nunca será suprida. E também sei que aquela cena nunca mais deixará minha mente.