sexta-feira, 24 de maio de 2013

22 de março de 2013. Depois de várias tentativas de negociação e troca de acusações, o governo do estado do Rio de Janeiro decidiu desocupar a "Aldeia Maracanã", situada em um prédio histórico, abandonado até alguns meses antes, ao lado do estádio de mesmo nome. Antes de ir para a emissora já sabia que a situação era tensa. A tropa de choque da polícia militar estava presente para conter os manifestantes, retirar os índios e garantir a desocupação do terreno. Por volta de 11h15, cheguei para render a equipe que estava lá desde as 6h. Estava tumulto, porém organizado. Os índios ainda persistiam dentro do terreno, os manifestantes estavam isolados pela tropa de choque no canteiro central da Radial Oeste e o trânsito fluía, de certo modo, tranquilo. A imprensa era a única que não tinha lugar certo, espalhada por todos os cantos. Aproximadamente 15 minutos após eu ter assumido meu posto, um grupo resolveu invadir a pista e bloquear a passagem dos veículos. Ok, REC ligado. Primeiro, um policial se aproximou das pessoas que estavam sentadas no chão e ordenou para que saíssem da via. Nada aconteceu além de xingamentos e protestos por parte dos manifestantes - que fique claro manifestantes, pois nenhum índio estava em meio à baderna. Frustrada a tentativa do policial, ele se afastou e, logo em seguida, apareceram outros dez, sem proferir palavra sequer, atirando spray de pimenta. Foi o estopim. Algumas pessoas correram para se proteger, porém outras resolveram combater os policiais. Foram lançadas bombas que gás lacrimogêneo e distribuídas cacetadas, empurrões e pontapés. De repente, em meio à fumaça, vejo um bloco de concreto ser jogado de uma passarela. Por sorte, muita sorte, ninguém foi atingido. Com isso, os pedaços do bloco passaram a servir de arma, além de pedaços de madeira e qualquer outra coisa possível de ser lançada contra a tropa. O gás liberado pelas bombas fazia meus olhos arderem e minha garganta secar. Sabia que não podia esfregar pois o efeito seria pior, então corri para que o vento refrescasse meu rosto. O tumulto era geral. Quando olho em direção ao prédio, uma oca dentro da "aldeia" estava pegando fogo e os índios foram forçados a sair pela fumaça e alguns empurrões. Pessoas corriam de um lado ao outro pedindo ajuda, xingando, batendo, apanhando, filmando, fotografando. Os manifestantes foram enxotados dali de maneira truculenta contudo necessária. Como se houvessem aberto uma escotilha, o lugar ficou vazio. Conseguia ouvir ao longe gritos e estouros. Alguns minutos depois parecia que nada tinha acontecido. O poder do estado prevaleceu.
03 de março de 2013. Foi minha primeira operação policial. Por não ter um horário fixo de trabalho dormi por volta de 0h15 e antes das 3h já estava na emissora. Sentia uma animação desenfreada, quase um estado de euforia. Sabia que nada daria errado pois as ocupações de favelas pela polícia para implantação de UPPs eram anunciadas com antecedência, justamente para evitar conflito entre bandidos e as forças de pacificação. Fui um dos primeiros a chegar à redação e, dentro da sala da subchefia de reportagem, havia uma pilha de coletes à prova de bala. "Qual o seu tamanho? - É M. - Só sobrou P, G ou GG. - Então vou usar um P." Preferi ter o peso junto ao meu corpo a tê-lo sacudindo em minhas costas. As pessoas foram chegando, umas com cara de sono, outras nem tanto, mas nenhuma empolgada como eu. Lá pelas tantas chegou um cinegrafista mais velho e experiente em acompanhar operações policiais e, sabendo que era minha primeira vez neste tipo de matéria, perguntou se eu estava tranquilo. Disse que sim e ele, como uma humanidade e seriedade que nunca tinha visto naquele cara de costume brincalhão, me aconselhou: "não se afobe. Se tiver tiroteio fique junto das paredes e nunca atrás dos policiais. E não ande pelo meio da rua, sempre pelos cantos. Hoje não é para ganhar prêmio, é para voltar para casa." Aquela mensagem fez com que eu refletisse sobre o que de fato estaria por vir. Não era uma gincana. Era uma operação policial contra o tráfico de drogas e minha obrigação era documentá-la sem fazer parte dela. Alguns minutos depois chegou um outro cinegrafista que estaria na mesma equipe que eu - ele fazendo o vivo e eu o pré gravado - e, chegada a hora, partimos para o Complexo do Caju. Encontramos o primeiro bloqueio, composto por duas viaturas da polícia militar e agentes de trânsito, próximo ao estádio do Vasco e, conforme avançávamos ao nosso ponto, a quantidade de policiais, civis e militares, ia aumentando. Chegamos à nossa base, que ficava em frente à portaria de São Januário, pouco antes das 5h. Havia, além de outras duas equipes da TV, três viaturas da policia civil e uma espécie de delegacia móvel estacionadas ali. Do outro lado da rua, pessoas bebiam em um bar ouvindo música num volume bem alto, indiferentes ao que estava por vir. O tempo foi passando. O sono foi se aproximando.. Sem aviso algum, ouvi um barulho muito alto de hélices cortando o ar e, de repente, como se tivesse sido coreografado, apareceu o helicóptero da policia civil sobrevoando a favela a menos de 20 metros de nossas cabeças; quase ao mesmo tempo, dois blindados, talvez do exército, dobraram a esquina à minha frente abrindo as portas traseiras e muitos policiais desceram, fortemente armados; mais de 15 carros de polícia chegam logo atrás com mais agentes. Parecia um filme. Eu, impressionado com aquela cena, vejo de soslaio os cinegrafistas ligando as câmeras e correndo em direção ao comboio que acabara de entrar na favela. "Chegou a hora". Começou assim meu dia de trabalho.